Não se sabe bem se é mais famosa a aldeia ou os seus cães. Certo é que, na referência a Castro Laboreiro, tanto o povoado como a sua raça canídea surgem ligados, constituindo uma referência do que há de mais tradicional em Portugal.
Começando pelo início, há que considerar que a aldeia de Castro Laboreiro, no concelho de Melgaço, se situa no Parque Nacional da Peneda Gerês, terra serrana desde sempre com vocação para a agricultura e a pastorícia. A designação da terra tem origem no termo “castrum”, que indicava um povoado fortificado habitado há milénios por povos que se fixavam em outeiros e viviam em comunidade para melhor se defenderem de ataques. De eras assim longínquas são as pinturas rupestres identificadas no território e os 120 dólmens e cistas aí sinalizados, o que, no conjunto, constitui o que os especialistas apontam como um dos mais ricos patrimónios pré-históricos nacionais.
A fertilidade da zona favoreceu essa permanência e o núcleo habitacional primitivo assim se terá desenvolvido até à sua consolidação na Idade Média.
Mencionada em várias cartas de foral régio, a última das quais por D. Manuel em 1513, a aldeia de Castro Laboreiro chegou a ser sede de um concelho homónimo, desde os primeiros reinados de Portugal até 1855. A estrutura principal do Castelo de Castro Laboreiro, por exemplo, remonta aos tempos de D. Afonso Henriques e reflete a importância defensiva atribuída ao território. Já o pelourinho manuelino que desde 1560 se ergue no centro da aldeia, veio apenas reforçar a relevância da terra, cujos privilégios incluíram, durante séculos, o direito dos seus homens a não incorporarem o exército e a isenção de todos os habitantes do pagamento de portagem nas estradas do reino.
Pela sua posição junto à fronteira com Espanha, em território elevado de clima muitas vezes agreste, Castro Laboreiro era estimada como barreira defensiva e o povo, resiliente, bem merecia esse cuidado. Os invernos sempre aí foram tão frios que o território até desenvolveu um conceito de habitabilidade próprio, exclusivo desta região do país: por mais pobres que fossem, todas as famílias possuíam duas casas – a branda, nas zonas mais altas, para as estações quentes do ano, quando a altitude é suportável e os pastos elevados também são fartos e suculentos; e a inverneira, a uma cota mais baixa, que era onde melhor se resistia aos rigores da temporada fria.
Nas andanças desta transumância solitária, os pastores sempre tiveram nos cães os seus melhores companheiros e auxiliares de trabalho, e foi assim que se foi definindo e apurando a biologia e o comportamento do Cão de Castro Laboreiro, que é uma das raças canídeas mais antigas da Península Ibérica. Os seus espécimes são trotadores de longa duração, galopadores de endurance e distinguem-se das restantes raças nacionais de cães de gado por conseguirem acompanhar os rebanhos no pastoreio ao longo de todo o dia, sem deixarem de perseguir eficazmente predadores como os lobos. No confronto com esses animais, a menor corpulência dos castro-laboreiro confere-lhe grande agilidade, pelo que o porte franzino dos cães é precisamente o que lhes permite movimentações mais rápidas na fuga aos dentes e garras do inimigo.
Mas nem só de serra e pastorícia se faz Castro Laboreiro e é por isso que uma visita à aldeia tem que incluir não apenas a ida ao seu castelo, que desde 1944 está classificado como Monumento Nacional, mas também a descoberta de património como a Igreja Matriz, os fornos comunitários da aldeia, os seus espigueiros e moinhos, e as várias pontes romanas e medievais sobre o rio Laboreiro – onde se pratica canyoning em época de águas cheias.
A esses e outros recursos da terra se faz referência no Núcleo Museológico de Castro Laboreiro, onde também se explica a origem do chamado Traje Laboreiro, usado sobretudo nos campos, e se revela o sentido das vestes de Garruços e Farrangalheiros, figuras coloridas que só saem à rua por altura do Carnaval – ou do “Entroido”, como se diz na aldeia.
Num registo diferente, ao ar livre, outra proposta que proporciona uma perspetiva geral sobre as especificidades da região é o Trilho Interpretativo de Castro Laboreiro. Num caminho entre a aldeia e o planalto, essa rota tem dois grande méritos: faz ver como os povos locais tiveram que inventar soluções engenhosas para poderem manter-se no território; e mostra como o clima local, ao inviabilizar a introdução da cultura do milho (que nos séculos XVI e XVII tanto alterou a paisagem e a estrutura social do país), acabou por favorecer a preservação de formas de sobrevivência muito próprias, que, noutras regiões, estão agora extintas ou em acentuada decadência.
Chegada a hora de celebrar toda esta cultura e tradição, o melhor lugar é à mesa. Terra de sabores intensos e pratos bem servidos, Castro Laboreiro vive-se também na gastronomia, confecionada por mãos hábeis com base em receitas apuradas ao longo de décadas. Esta “Aldeia de Portugal” merece, portanto, que se prove de tudo, com bom Alvarinho a acompanhar: queijos e enchidos tradicionais, o típico bife de presunto, cabrito do monte bem assado e, como opções açucaradas seguras, as roscas de Melgaço e esse bucho doce tão original no seu recheio de pão migado com ovos.
Inovação culinária? Também há: folhado de Alvarinho, biscoitos de milho e Alvarinho, croissants de amêndoa e Alvarinho, e até profiteroles, cupcakes e bombons com molho nesse vinho. (Suspiro! Suspiro!) ■