Na freguesia de Almalaguês, no concelho e distrito de Coimbra, há dois lugares que, em conjunto, partilham a classificação como uma única “Aldeia de Portugal”: a povoação de Almalaguês, ainda particularmente rural, até porque só viu as suas ruas serem contruídas após o 25 de Abril, em 1974, e o povoado de Torre de Bera, ainda mais genuíno por continuar a exibir apenas ruelas de piso em pedra. Esta estética muito própria confere ao conjunto das duas localidades uma genuinidade especial, ainda mais cativante por fazer contrastar a arquitetura e o urbanismo rurais com uma vida associativa relativamente animada, para a qual contribui o empenho de várias coletividades.
No caso concreto de Almalaguês, situada junto ao rio Galinhas e rodeada por floresta de pinheiro e eucalipto, a aldeia é conhecida pelos seus tapetes feitos à mão, com recurso a uma técnica de tecelagem bordada que lhes confere os mais diversos motivos naturais e geométricos. Juntamente com colchas e atoalhados, esses tapetes são tecidos em teares idênticos aos persas, o que resultará da influência árabe na região, já que, segundo alguns historiadores, a origem do topónimo “Almalaguês” se poderá dever à presença na terra de Zoleimam Almalaki, um nobre muçulmano que seria proprietário de Vila Mendiga no ano de 1088. Outros argumentam, contudo, que o nome da aldeia tem origem na junção do termo árabe “al” à derivação da palavra “Málaga”, significando assim que a localidades era “dos colonos de Málaga”.
Certo é que Almalaguês também já foi habitada por celtas e romanos, cujas influências persistem no povoado, explicando a coexistência de três zonas histórica e culturalmente distintas: a árabe, no centro da freguesia; a celta, em Bera; e a romana, no lugar de Nossa Senhora da Alegria, onde em tempos existiu um castro.
Tecelagem e agricultura são assim as principais atividades de Almalaguês, cujo território a norte é conhecido como “a zona do barro vermelho”, enquanto a área sul se distingue pelo cultivo da vinha e da oliveira. Tapetes, vinho e azeite contam-se, portanto, entre os produtos típicos da aldeia, que os dá a provar com especial brio na Festa do Santíssimo, em dezembro, e nas festas do Mártir São Sebastião, em janeiro – numa romaria que integra um encontro nacional de gaiteiros e que convida a conhecer também património edificado, como a Fonte do Calvo, o cruzeiro manuelino e a Igreja Paroquial, templo de estilo barroco com capelas dedicadas a São Pedro e Nossa Senhora da Alegria.
Nessas romarias, tanto as mesas de Almalaguês como de Torre de Bera são particularmente bem compostas, com o tríptico gastronómico local: sopa à lavrador, chanfana e arroz doce. A primeira também é conhecida como “sopa da tranca da barriga” e, em tempos de escassez, era muitas vezes o único prato das famílias locais, repetido a cada refeição; a chanfana é de tal forma rica que costuma servir-se em dias especiais, pelo que é designada como “carne de casamento”, e ainda tem como derivados os "negalhos", prato que justifica a existência de uma confraria própria; e o mesmo acontece com a sobremesa, que, tal como conta a respetiva conraria, ainda motiva a tradição de os noivos dedicarem a véspera do seu casamento a oferecer pratinhos de arroz doce aos convidados, na expectativa de que, no dia da cerimónia, a louça lhes seja devolvida com um presente dentro.
Qualquer que seja a ementa e a ocasião, como néctar servem-se os vinhos da freguesia, que, comercializados pela Adega Cooperativa de Souselas sob a marca “Almalaguez”, têm fama de usar castas de qualidade superior amadurecidas nas encostas soalheiras da região.
No que se refere especificamente a Torre de Bera, lugar mais pequenino dos dois que compõem esta "Aldeia de Portugal", o povoado retira a sua designação da torre românica que integrou a atalaia militar – por vezes popularmente referida como “castelo” – aí erguida entre o século XI e XII como linha defensiva a sul do rio Mondego. A Direção-Geral do Património Cultural conta que essa proteção era necessária devido aos constantes ataques muçulmanos a que a região estava sujeita, sobretudo devido à sua fertilidade agrícola, e destaca-a como uma das poucas torres de vigia ainda preservadas junto ao Mondego como testemunhas desse período histórico.
Tendo como principal romaria a Festa do Menino Jesus, entre dezembro e janeiro, Torre de Bera continua a dedicar-se à agricultura, mas as hortas cultivadas para ajudar à subsistência familiar complementam-se agora com maiores extensões de terreno para produção de figo da índia, cuja plantação junto às ruas de pedra da povoação começa a ser replicada noutras zonas de Almalaguês. ■