Em plena Serra do Caldeirão, cuja biodiversidade está protegida pela Rede Natura 2000, a aldeia de Alte apresenta-se ao visitante numa composição cénica de beleza singular. Envolta por quatro serros, é rasgada pela ribeira de Algibre, que, apesar do impacto da seca nessa região do Algarve, continua a correr todo o ano e por isso decora continuamente a paisagem desta localidade do concelho de Loulé, no distrito de Faro.
A água é, aliás, presença frequente no povoado, como demonstra a Fonte Pequena, com o seu parque de merendas, e a Fonte Grande, que uma zona fluvial relvada propícia a biquínis e a banhos. Assim enquadrados por áreas comuns de uso comunitário e por uma piscina natural, estes dois fontanários foram durante séculos ponto de encontro das mulheres da aldeia, que aí lavavam a roupa, enchiam os seus cântaros e partilhavam novidades.
É certo que no povoado também se preserva um moinho de água, a testemunhar a antiga lida da moagem de cereais, mas a maior referência aquática da terra, ainda assim, é a famosa Queda do Vigário, que, com 12 metros de altura, já foi considerada a cascata mais “instagramável” de Portugal e, nos dias mais quentes, delicia quem vai a banhos na lagoa do seu sopé.
Já ao nível da arquitetura, o centro de Alte impressiona pelo seu casario branco, pontuado pelas típicas chaminés rendilhadas que contrastam com o arvoredo e com o rosa e laranja das buganvílias. Esse edificado está bem preservado e, entre ruas de calçada portuguesa, serve de morada a imóveis como a Igreja Matriz, a Casa do Artesão e o Polo Museológico Cândido Guerreiro e Condes de Alte.
No caso do templo religioso, dedicado a Nossa Senhora da Assunção, é originário do século XIII e foi erigido por ordem de Dona Bona, como forma de agradecer à santa pelo regresso do marido das batalhas da Oitava Cruzada – convocada pelo rei francês Luís IX para tentar travar o avanço dos muçulmanos sobre os cristãos do Egito. A igreja combina o estilo manuelino, barroco e rococó, e como exemplo das alterações que sofreu ao longo dos tempos exibe uma abóbada quinhentista artesoada, revestida a azulejos azuis e brancos.
A Casa do Artesão, por sua vez, é um espaço dedicado às artes e ofícios, no qual se pode visitar o ateliê de criadores residentes, conhecer o seu trabalho e assistir à produção de algumas peças. Nessa partilha de experiências, a estrutura contribui para a dinâmica cultural da aldeia e ajuda a promover a sua economia local, não apenas no que se refere a produtos tradicionais como brinquedos de madeira e cestaria em esparto ou palma, mas também no que concerne a oferta mais moderna – como têxteis com estampado botânico de tinturaria biológica, peças decorativas em macramé, bijuteria em palma e lã, e saboaria natural.
Já quanto ao museu dedicado ao poeta Francisco Xavier Cândido Guerreiro (1871-1953), que era descendente dos Condes de Alte, esse equipamento acolhe um centro multimédia, uma sala de leitura e um arquivo de documentação, revelando diferentes aspetos da vida do primeiro habitante da aldeia a concluir um curso universitário. Licenciado em Coimbra, Cândido Guerreiro foi ainda advogado, dramaturgo, redator do semanário “O Algarvio” e presidente da Câmara de Loulé, tendo assim liderado a gestão de um período de grande progresso do município.
Com esse historial, não é de estranhar que Alte, classificada como “Aldeia de Portugal” desde 2023, seja uma localidade particularmente pujante em termos culturais, adotando uma estratégia focada não só em atrair turismo, mas, principalmente, em fixar a população e travar o seu envelhecimento. Quatro exemplos são particularmente demonstrativos desse esforço de atualidade: os percursos de arte urbana pelos murais de street art que decoram vários recantos da aldeia; o Halloween que reforça o individual Trick-or-treating infantil com concertos e animação de rua para a população adulta; a Semana das Artes e Culturas, com atividades lúdicas, musicais, desportivas e gastronómicas para diversos públicos; e o Fusos – Festival de Fusões Artísticas, com um cartaz marcado por cruzamentos entre música, ilustração, sonoplastia, teatro, literatura, dança, circo e pintura.
Claro que isso não impede a aldeia de manter a sua celebração mais genuína e popular, que é o Carnaval de Alte. Apontado como o mais tradicional do Algarve, o Entrudo local não cede a empresas especializadas e continua a confiar a elaboração dos seus carros alegóricos, guarda-roupa e adereços a grupos organizados de cidadãos da terra, que voluntariamente dedicam meses de trabalho à festividade.
Mas momentos de introspeção em contexto mais reservado também são possíveis e uma das propostas mais procuradas a esse nível é a Via Algarviana, rota de 300 quilómetros em que Alte constitui o ponto mais central entre o Oceano Atlântico e a fronteira com Espanha. Na envolvente estrita da aldeia há, contudo, alternativas mais modestas, entre os 5 e os 41 quilómetros de extensão total a pé ou em BTT, e entre esses percursos inclui-se: a Rota do Cerro das Toxugueiras, pelo interior sossegado da região; o percurso Caminhos e Veredas de Monte Brito, que atravessa áreas agrícolas; e o circuito Esteval dos Mouros, por pomares de citrinos, apiários, cabanas, palheiros, fornos de cal e os muros de pedra calcária tão típicos do Barrocal. ■