Recanto típico do município da Murtosa, a aldeia do Bunheiro é parte integrante da “Terra Marinhoa”, designação geográfica, cultural e afetiva que se aplica a todo o território nas margens da Ria de Aveiro. O nome da povoação estará relacionado com a abundância local de bunho, espécie de planta ondulante característica das zonas mais húmidas e alagadiças do Norte e Centro de Portugal.
Essa posição geográfica, em terreno especialmente fértil, explica que, desde tempos bem antigos, a população de Bunheiro se tenha focado na atividade agrícola, explorando uma ligação terra-água expressa na apanha do moliço, com recurso a barcos próprios para lidar com essa alga, e na recolha de junco, arrancado às ribeiras para acolchoar o chão dos currais.
A esses cenários acrescente-se a imagem de charruas e arados, com que os animais ora puxavam as redes de arte xávega com peixe da Torreira, ora rasgavam sulcos em extensos campos de milho e feijão, e ter-se-á um quadro bem vivo da labuta diária das gentes da terra. Mas nesse retrato não pode o gado imaginar-se franzino! A raça Marinhoa tem bom corpo para trabalhar e, também por isso, é boa de comer, protagonizando os melhores pratos da região.
Ao mesmo universo de águas lagunares e terras humedecidas se devem as artes e ofícios de Bunheiro, que se aplicam em exuberantes cangas de madeira, alfaias e outras peças de ferro, esteiras de bunho e tábua, e cestos e açafates de vime.
Esses cestos e tabuleiros são muito usados para transportar e guardar produtos regionais e hortícolas como os que se usam na gastronomia local, em que as referências são a caldeirada de peixe e os rojões à lavrador – que antes se comiam em pleno campo ou num juncal ao pé da ria, para usufruir da paisagem na breve pausa do almoço.
Sobre esses e outros costumes poder-se-á descobrir mais ao passear por Bunheiro, seja visitando a Igreja Matriz de São Mateus e a Capela de São Gonçalo, seja conhecendo o Lavradouro e a Casa-Museu Custódio Prato, que, instalada numa típica habitação murtoseira, reúne coleções de etnografia e uma interessante mostra de ofícios tradicionais.
Na apreciação arquitetónica de Bunheiro, não pode, ainda assim, faltar a descoberta daquelas às quais chamam “casas de brasileiros” ou “ao estilo Farinhas”, em referência aos emigrantes da região que fizeram fortuna do outro lado do Atlântico e, no regresso à terra natal, exibiram essa riqueza na forma como escolheram decorar a fachada das suas casas.
Histórias desse período podem justificar uma deslocação à vizinhança, para conhecer o museu CoMur, dedicado à indústria conserveira da Murtosa, que é conhecida sobretudo pelas suas conservas de enguias, mas quem preferir focar-se na biodiversidade tem três boas alternativas, que são o Centro de Educação Ambiental da Ribeira de Pardelhas, a ecovia ciclável entre a Ribeira do Gago e a do Mancão, e o Percurso Cultural e Natural do Bunheiro.
No regresso, se o calendário for favorável, talvez haja romaria na aldeia, o que, hoje como ontem, ajuda a amenizar a dureza do trabalho no campo e a reforçar laços de amizade entre a comunidade. Assim sendo, é tomar nota: setembro é para a Festa São Mateus, padroeiro de Bunheiro; outubro é para São Simão, venerado há mais de 400 anos numa pitoresca capela redonda; e janeiro é para São Gonçalo, ao qual se pede, entre rezas e peculiares rituais, que nos livre de cravos e verrugas. ■