Há um edifício na aldeia de Castelo, no município de Sátão, cuja estética exterior explica, por si só, o espírito de todo esse povoado do distrito de Viseu: na base, como alicerce, o imóvel é de pedra, em blocos sólidos de granito, na traça típica das casas mais tradicionais; no piso superior, as paredes revestem-se de um moderno ripado de madeira, com janelas assimétricas que se projetam na diagonal para fora da fachada. Esse contraste está patente no Centro interpretativo de Ferreira de Aves, que, evocando o nome da freguesia que acolhe Castelo, resulta da recuperação de um edifício que já funcionou como tribunal e como prisão. Agora, recuperado, o imóvel expressa o que a população quer para a sua terra: como valor mais forte, o respeito pela memória e pelas origens do seu passado; como rumo de futuro, a qualidade de vida de um quotidiano mais dinâmico e estimulante.
Esse desejo de vitalidade é decisivo para a sobrevivência e afirmação de Castelo, considerando que, nesta aldeia de casinhas baixas, algumas das quais com escadas e alpendres ainda em pedra, vivem atualmente menos de 190 pessoas. Atrair novo residentes e receber turistas que animem a terra é um objetivo comunitário e, pelo menos ao nível turístico, isso será fácil de concretizar, uma vez que a localidade tem motivos de atração bem apelativos – a começar pelo referido Centro Interpretativo, que dá a conhecer a história de alguns dos filhos ilustres da terra, como Frei Rosa Viterbo e D. Martinho Pais, e as artes e ofícios da região.
Entre esses talentos inclui-se a cestaria, a tecelagem, as peças em latão e os artigos em ferro, muitos dos quais utilizados para apoio na cozinha, que em Castelo é esmerada em pratos como o cabrito assado, os enchidos e fumeiros, os queijos que servem de aperitivo ou sobremesa, e as castanhas de ovos que competem com barrigas de freira.
Quando a gula exagera, há bom remédio: a aldeia é abundante em possibilidades de passeio, permitindo caminhadas até ao moinho abandonado, circuitos em torno do pelourinho manuelino que assinala o tempo em que o povoado era sede de concelho, caminhadas pelas encostas da serra da Pereira, jogos no parque de merendas junto à capela e ao miradouro de São Matias, e, alargando o mapa a localidades vizinhas, também percursos ao longo das margens dos rios Vouga e Paiva.
Nesse reconhecimento do território, convém saber que a área mais antiga de Castelo se desenvolveu a partir do “Calhau”, lugar que, segundo a tradição oral e algumas evidências físicas, terá tido em tempos uma fortificação militar destinada a defender o povoado de possíveis invasores. Mas mais consolidada é a teoria, sustentada por numerosos vestígios arqueológicos, de que a zona já era ocupada na era romana.
A lista desses indícios abrange sepulturas rochosas dispersas pela localidade e também várias lagaretas escavadas na pedra, o que mostra como pisar o vinho era frequente em lugares como Ramalhosa, Vinhas, Pedrão, Cadaval, Quinta de Vilela e Bidel Rei. Tanto os lagares no granito como os túmulos na rocha indicam, portanto, que essas localizações terão acolhido os primeiros núcleos de povoamento em Castelo, inicialmente mais dispersos entre si e depois, com a reforma da Igreja e a criação das paróquias, deslocalizados para pontos de maior concentração populacional.
Tal esforço de proximidade persiste até hoje, já que esta “Aldeia de Portugal” ainda exibe um espírito de interajuda muito vivo, que ajuda à resiliência da comunidade e fortalece o seu orgulho na terra. Isso vê-se na forma como os locais falam das antigas tradições relacionadas com o linho, o cultivo do centeio e do milho, as ceifas e até a Via Sacra encenada por altura da Páscoa na Igreja Paroquial de Santo André. Esse cenário apura a dramatização, até porque o templo está classificado como Imóvel de Interesse Público pela forma como conjuga uma fundação românica, uma fachada maneirista e capitéis de inspiração fitomórfica e fantástica, com ábacos estilizados por elementos vegetalistas. Claro que obra assim só pode inspirar brio. ■