Comece-se por um facto histórico que não é de pouca importância: o foral mais antigo de Portugal foi concedido à pequena aldeia de Cheleiros, cujo nome deriva da ribeira que por ali passa e do facto de esse ter sido, em devido tempo, um sítio de celeiros.
Volvidos tantos séculos, esta pitoresca aldeia, encavalitada como um presépio no concelho de Mafra, distingue-se, sobretudo, pelo seu interesse turístico. Dos prazeres da mesa – o pão e o vinho, os enchidos e os doces tradicionais – até aos passeios na natureza, passando pela visita ao património cultural edificado, há muito para fazer e descobrir numa aldeia que não será, afinal, tão pequena quanto isso.
O Penedo de Lexim, antiga chaminé vulcânica que se configura como um autêntico “castelo natural”, é testemunho da história milenar desta localidade da Área Metropolitana de Lisboa, com a presença de vestígios que remontam aos tempos da pré-história. De um tempo mais recente, mas com peso histórico igualmente respeitável, a ponte medieval de pedra, também conhecida como “ponte velha”, é um marco incontornável do património edificado de Cheleiros. Outros monumentos dignos de apreciação são o pelourinho e o edifício da antiga Câmara Municipal, o relógio de sol, o Cruzeiro do Rebalde, as azenhas, os chafarizes e fontes, e os edifícios religiosos, que são a Igreja de Nossa Senhora do Reclamador e a Capela do Espírito Santo.
Não se pode visitar Cheleiros sem que se reserve também algum tempo para realizar o percurso pedonal urbano por entre as ruas e o casario, que permite não só descobrir os monumentos históricos, mas também observar a arquitetura de construção antiga das casas da aldeia. Muitas destas habitações possuem adegas ou lagares de pedra no seu interior, bem como alambiques e fornos de lenha, bem característicos das construções de outros tempos. E é também em Cheleiros que se encontra o maior lagar de azeite do concelho de Mafra.
A aldeia é ainda ponto de visita obrigatório para os verdadeiros apreciadores do vinho e das vinhas. Na época certa, é possível fazer parte das vindimas e pisar as uvas; no resto do ano, não se dispensa uma visita às adegas, com destaque para a da marca Manzwine, que é medieval. Nessa adega-museu valerá a pena participar num workshop que cobre todo o processo de produção do vinho, desde a vinha até à abertura das pipas.
Já para aconchegar o estômago, haverá que peregrinar, na zona do Carvalhal, pelos diversos locais de fabrico do pão de Mafra, que se saboreia melhor acompanhado de uma típica rodela de chouriça de sangue e um copo de vinho da casta Jampal, produzida nesta região. A prova gastronómica não estará concluída sem que se experimentem as doçarias locais, tais como as Broas de Cheleiros, as queijadas de leite, o bolo rei de Carvalhal ou as filhoses do Entrudo.
Saciados os apetites, poderá ser ocasião de rumar aos vários percursos pedestres em torno da aldeia. Os passeios e caminhadas pela natureza permitem a observação de pássaros como perdizes, codornizes, guarda-rios ou aves de rapina, e facilitam a visita às cascatas do Mourão e a contemplação das belas paisagens proporcionadas pelo rio, com os seus montes, as encostas das vinhas e os moinhos. Podem também percorrer-se os passadiços entre a aldeia saloia da Mata Pequena e a Foz do Lizandro, guardando tempo para explorar os vários pontos de interesse assinalados no percurso.
E, já que esta região serviu de cenário a uma das obras literárias mais relevantes da língua portuguesa, pois que se siga, então, a Rota do Memorial do Convento e se visitem alguns dos lugares mencionados na obra de José Saramago. A rota estende-se por vários lugares dos concelhos de Lisboa, Loures e Mafra, passando justamente pela Igreja de Cheleiros, de traça manuelina, e pelo cruzeiro da aldeia, defronte da igreja.
Qualquer altura será boa para visitar um lugar pitoresco e de tradições tão arreigadas quanto a aldeia de Cheleiros, mas os dias festivos são ocasiões ideais para experimentar as vivências típicas da região. As festividades concentram-se nos meses de verão, mas não se cingem a esse período. Por abril e maio realiza-se a Festa do Vinho, seguindo-se o Festival das Sopas, também em maio, e as Tasquinhas de Santo António, em junho. Já em setembro, decorre a Festa dos Tratores. Porém, a romaria mais imponente de Cheleiros acontece apenas uma vez a cada 17 anos. Trata-se da Festa da Nossa Senhora da Nazaré, um evento imperdível e grandioso que voltará a realizar-se já no verão de 2024 e promete encher a aldeia de visitantes.
São, pois, mais do que suficientes (e convincentes) os motivos para conhecer ou regressar a esta localidade da região oeste, repleta de encantos e tradições – e que chegou a ser sede de concelho por longos 660 anos, até 1855. Entre um gole de bom vinho e uma dentada gulosa no afamado pão, abancados nas margens do Lizandro e rodeados de natureza exuberante, impõe-se redescobrir Cheleiros. ■