É a paisagem abundante e variada aquilo que mais se impõe em Couce, aldeia de Valongo banhada pelo rio Ferreira e localizada entre duas serras, a de Santa Justa e a de Pias. Nessa porção de território do distrito do Porto, as casas pedem fotografias às suas paredes de pedra antiga, numa exibição do que de mais típico e tradicional se preserva da tradição arquitetónica da genuína ruralidade portuguesa, e os caminhos empedrados convidam a passeios lentos, que permitam identificar, aqui e ali, as marcas do passado deixadas em construções com blocos de quartzite provenientes da exploração local de minério e xisto. As paredes e os muros irregulares do povoado fascinam o visitante por essa configuração particular, resultante do aproveitamento de materiais que eram aplicados nas construções tal como recolhidos da natureza, diretamente, sem tratamento prévio.
Nessa análise à genuinidade da arquitetura de Couce, há, contudo, outras obras a merecer atenção, a mais antiga das quais a ponte romana que persiste no povoado, quase intacta, desde que o território foi ocupado pelos exploradores do império italiano. Já de período bem mais recente é a capela da aldeia, assim como os seus palheiros, que vêm servindo de apoio às atividades agrícolas da comunidade, e as suas eiras, que funcionam como espaço de convívio entre a população, que aí debulhava o milho e contava as novidades da terra.
Estes hábitos e costumes incentivam a descobrir mais da paisagem envolvente, motivando passeios pelas margens verdejantes e frescas do rio Ferreira, onde ainda hoje é possível imaginar como os recantos de Couce terão levado os romanos e seus escravos a fixarem-se no local. Desses tempos ficou, aliás, a disposição habitacional que ainda hoje se identifica nesta Aldeia de Portugal, com as casas bem juntas umas às outras, de forma a que, no contexto de isolamento geográfico da povoação, os residentes melhor se pudessem defender em caso de ameaças exteriores.
Mas ainda antes da ocupação romana já as serras de Santa Justa e de Pias seriam habitadas, como indicam os vestígios de três castros identificados na região, em concreto no Parque Paleozoico de Valongo. São eles o Castro de Pias, o Alto do Castro e o próprio Castro de Couce, num triplo conjunto construtivo que, por um lado, demonstra a existência de povoados bem primitivos no território e, por outro, ajuda a explicar como os romanos terão apreciado as vantagens da zona, aí se estabelecendo para explorar os minerais existentes no subsolo. Vestígios imateriais de outros povos primitivos também há, como se depreende pela lenda local das mouras encantadas que se abrigariam na serra de Santa Justa em dias de nevoeiro e aí cozinhavam nos seus caldeirões.
Imaginar esses cenários e enredos é mais fácil para quem se aventurar pela serra de Santa Justa num dos três percursos pedestres aí definidos ou explorar o Corredor Ecológico que liga o Parque da Juventude à aldeia de Couce, seguindo depois para a Serra de Pias. Estendendo-se por nove quilómetros, esse trajeto permite a observação dos importantes sistemas fluviais que estruturam a paisagem. Na serra de Pias há, aliás, cisternas escavadas nos topos rochosos e nas quais, diz o povo, nunca falta água, num fenómeno que, segundo a lenda, se deve à intervenção milagrosa de São Martinho, que, à passagem pela zona, aí deu de beber ao seu cavalo. Precisamente por isso é que as cisternas se chamam “Pias de São Martinho”.
Real e palpável, por não se basear em histórias sem possibilidade de verificação, é, no entanto, a gastronomia regional, sustentada nas tradições de Valongo e nos melhores sabores e aromas do Norte do país. Juntamente com o pão, que durante muito tempo foi produto nobre do território e daí seguia para abastecer a cidade do Porto, o ex-libris da culinária local é o biscoito, fabricado em fábricas icónicas como a Paupério e a Diogo. Da lista de irresistíveis delícias aí produzidas, para saborear a solo ou acompanhadas por chá ou vinho do Porto, constam doces como os fidalguinhos, os cacos, os torcidos, os biscoitos de milho e os de limão, entre outras receitas que, embora mais recentes, são sempre acertadas.
O pudim de pão também é um doce caraterístico da zona, assim como as sopas secas e o doce branco de Sobrado, mas para as refeições de maior substância, sempre pontuadas por broa de Couce, os pratos principais são o arroz de cabidela e o cabrito assado no forno – sempre para degustar com o bom vinho verde da região de Valongo. ■