Por aqueles lados já se respira melhor. À chegada a Folhense, envolta por serra, o céu parece mais límpido e, mesmo em dias nublados, o ar é mais fresco, tem até mais humidade, enche com outro vigor pulmões desabituados a tão pouco trânsito. A culpa é da serra do Arestal, ali próxima da Freita, pontuada de árvores, campos agrícolas, ribeiros e riachos. E como a população se distribui por moradias e casas pequenas, que raramente ultrapassam os dois pisos de altura, esta aldeia da freguesia de Junqueira, no município de Vale de Cambra, distrito de Aveiro, tem aquele ar hospitaleiro das terras onde todos se conhecem pelo nome, emprestam ferramentas de jardinagem uns aos outros, sabem em que dia calha a próxima festa de anos do vizinho.
Historicamente, a primeira referência à aldeia surge em documentos relativos às Inquirições de 1298. A população sempre se distinguiu pela lida do campo, vivendo sobretudo da agricultura, da pecuária e da silvicultura, mas esse trabalho deixou de ser o principal sustento das famílias locais a partir de meados do século XIX, quando os homens, seguindo a tendência comum a todo o território nacional, começaram a emigrar em busca de vida melhor. Um século depois, já Vale de Cambra se tornara um poderoso polo da indústria metalomecânica, cujas fábricas, exportando para todo o mundo, empregam agora famílias inteiras, assegurando-lhes uma estabilidade financeira bem mais apelativa do que a proporcionada pela labuta agrícola.
Classificada como “Aldeia de Portugal” desde março de 2023, Folhense continua, contudo, a orgulhar-se das suas tradições e honra-se da fidelidade que mantém para com tudo o que é gerado pela terra. Também por essa razão, o povoado é um dos melhores exemplos de como a ruralidade não é encanto que cative apenas as gerações mais velhas, daquele Portugal antigo, anterior a invenções como a internet e os telemóveis. Isso deve-se ao facto de o processo de candidatura à Associação do Turismo de Aldeia ter partido precisamente de uma jovem, que habituada a trabalhar numa das metrópoles da nação, se deixou cativar pelo ritmo especial deste lugar pacato, cheio de percursos pedestres na envolvente e com fama de boa mão para a gastronomia, a avaliar pela broa de massa levedada sem pressa e pelos assados em forno a lenha. Os de peixe também por lá se fazem, mas os mais desejados são os de carne local, de gado autóctone alimentado a pasto verde e viçoso., em liberdade.
Não será de estranhar, por isso, que o principal evento da região seja a Feira do Arestal, que, por alturas do 25 de julho e das festas de S. Tiago, leva à Junqueira o melhor gado da zona, entre o qual grandes espécimes da raça arouquesa. De tom castanho dourado, esses animais exibem uma pelagem de fazer inveja, carinhosamente escovada pelos donos para fazer jus a cornos bem encerados, encurvados para frente.
A competição entre os criadores é amigável, mas não deixa de ser vivamente disputada, pelo que quem não chega aos primeiros lugares do pódio procura depois consolo num bom copo de vinho verde, também típico da zona, e em iguarias temperadas com cantares ao desafio, canções de concertina e ainda algumas compras de artesanato e produtos regionais.
Na hora de recuperar da freima da festa, não faltam por esta nova Aldeia de Portugal alojamentos locais bem asseados e confortáveis, com anfitriões simpáticos e calorosos, prontos para dois dedos de conversa com pronúncia serrana. Uma vez acomodada a bagagem, os dias mais relaxados organizam-se depois de forma a incluírem uma visita ao menir de Lameirinhos de Folhense, um piquenique no Parque da Junqueira, banhos na praia fluvial de Pontemieiro e até meditação ao pôr-do-sol no miradouro do Arestal, com vista para as serras da Freita, do Caramulo e da Estrela.
Os mais ativos também não terão razão de queixa, já que o PR 5 – Aldeias do Arestal tem um certo grau de exigência, com altitudes dos 652 aos 830 metros e um desnível acumulado de 410. Com início em Gestoso, no Santuário da Senhora da Saúde, esse percurso circular de 15 quilómetros passa não só por Folhense, mas também pelas aldeias de Agros e Cabanes, entre hortas domésticas, cursos de água, mamoas, espigueiros e casinhas de pedra. E como a boca comida nunca fica ausente dos roteiros de exercício físico, o PR5 permite ainda uma escapadinha a uma pérola mal-escondida da região: o Talho Confiança, mais conhecido como da Dona Alice, onde o cliente pode escolher o naco de carne que mais lhe enche o olho e grelhá-lo na brasa ele mesmo, no próprio local, para saborear logo ali, na aconchegante sala de refeições do estabelecimento ou até debaixo das árvores em redor. Arroz para acompanhar? Não há. Batatas? Só de pacote. Mas salada serve-se sempre e, se a carne não agradar o suficiente, a responsabilidade é certamente de quem a cozinhou. ■