Referenciada pelo menos desde 973, a aldeia da Marmeleira, no município de Mortágua, é hoje habitada por cerca de 480 pessoas que, tal como sobreviveram às invasões francesas, também resistem a um significativo despovoamento e mantêm ativa a localidade do distrito de Viseu envolvida pela inspiradora paisagem da Mata do Bussaco.
O casario antigo da Marmeleira, muitas vezes abandonado, convive com habitações mais modernas ao gosto dos poucos jovens que se fixaram na povoação, onde o principal ponto de atração turística é o Núcleo Museológico da Irmânia “Raízes e Memórias”. Esse espaço acolhe uma mostra de artes e ofícios, e, além de informação sobre a flora autóctone e sobre figuras da terra ligadas aos ideais republicanos e à Maçonaria, dá a conhecer outros aspetos da história da aldeia, recriando espaços concretos como uma casa de lavradores do século XIX e dois estabelecimentos comerciais emblemáticos das primeiras décadas de 1900, a Loja Progresso e a Alfaiataria Lysiana.
“Lysina” e “Irmânia” são, aliás, nomes que por vezes se confundem como sinónimos de “Marmeleira”, seja por terem origem em designações medievais da região ou por estarem ligados a momentos históricos determinantes, como a criação da Escola Livre da Irmânia, em 1908. A memória desse estabelecimento de ensino é particularmente acarinhada na aldeia porque, juntamente com a Biblioteca Popular (também denominada Centro Democrático de Educação Popular), esse espaço educativo constituiu um marco decisivo na disseminação regional da literacia e na promoção do espírito de liberdade e cidadania.
O esforço pela implementação desses conceitos ganha ainda maior relevância se interpretado no contexto histórico da própria região, o que justificará uma viagem de poucos quilómetros até à sede do município para conhecer o Centro de Interpretação “Mortágua na Batalha do Bussaco”. Evocando aquela que foi a maior batalha napoleónica em Portugal, esse espaço cultural homenageia os homens e mulheres que enfrentaram as tropas invasoras no conflito de 1810 e recorda como as gentes locais suportaram com tenacidade as privações impostas pela situação.
De regresso à Marmeleira, há ainda para conhecer as ruínas do Santuário de Nossa Senhora do Carmo, construído por volta de 1600 junto a uma ribeira, num sinal do apreço que a população local desde há séculos mantém pelos seus recursos de água. Esse templo destinava-se a acolher um convento de Carmelitas Descalças, mas o projeto não avançou porque os Condes de Odemira, donatários da então Villa Irmânia e senhores da Marmeleira, não aceitaram a proposta do prior ao recomendar que as rendas provenientes da igreja fossem encaminhadas para a gestão da residência religiosa.
Outros templos em destaque nesta “Aldeia de Portugal” são a Igreja da Marmeleira, datada de 1797 e decorada no exterior com um enorme relógio de pedra doado à paróquia pelos habitantes da povoação, e o Santuário da Nossa Senhora da Ribeira, templo de estilo rococó construído em 1645 e reedificado em 1747. À semelhança da Capela de São João da Cercosa, esse santuário está envolvido por um parque de merendas, mas distingue-se por terum moinho de rodízio ainda em funcionamento.
Os adeptos de turismo ativo têm igualmente boas opções de percursos pedestres na região, como é o caso da GR 49 Grande Rota do Bussaco, do Caminho Natural da Espiritualidade e dos oito roteiros cicláveis definidos pelo Centro de BTT de Mortágua.
Depois desse esforço físico, é então tempo de compensação calórica e as incontornáveis iguarias da região são duas: a lampantana, confecionada com carne de ovelha assada em caçoila de barro no forno a lenha e servida com batata fardada e grelos, e o chamado “bolo de cornos”, que, também conhecido como “bolo de 24 horas” ou “bolo doce da Páscoa”, é amassado em alguidar de barro vidrado e untado com azeite ou manteiga enquanto ainda está quente. ■