As casas tradicionais em xisto, a paisagem rodeada de serras, o rio a serpentear no vale e um ar puro que nos revitaliza seriam razões mais do que suficientes para uma visita à aldeia de Poiares, em Freixo de Espada à Cinta. Mas há muitos mais motivos para conhecer esta povoação situada em pleno Parque Natural do Douro Internacional, num enquadramento paisagístico de tirar o fôlego.
Disposta pela margem portuguesa do rio Douro, onde os mais de 38 quilómetros quadrados da aldeia são habitados por menos de 400 pessoas, Poiares é terra de xisto, como demonstram as fachadas da bonita Rua do Coiço. Os caminhos do povoado estão cheios de detalhes de genuína ruralidade e conduzem a vários pontos de interesse na localidade, como a Igreja Matriz de 1962, o Castelo de Alva e a chamada Ponte Velha da Ribeira do Mosteiro.
Particularmente atrativa é a calçada romana de Alpajares, que em tempos se estendia por uma ponte de construção tão arrojada que durante muito tempo o povo a considerou executada pelo Diabo. Destruída a ponte pela força das águas, a lenda permanece e também as pedras da calçada, junto à qual se ergue a Fraga do Gato, famosa por pinturas rupestres do Paleolítico como aquela que a uns lembra um felino e, a outros, uma lontra.
Outra história sobre a também chamada “Calçada do Diabo” conta que, nos tempos do Estado Novo, os ziguezagues do seu piso em duro quartzito ajudavam os contrabandistas a ocultar as viagens que faziam até Espanha, já ali do outro lado do Douro. Mas o local ideal para descobrir estas e outras curiosidades sobre a via romana de Poiares é o Centro Interpretativo da Calçada de Alpajares, que faz parte do Museu do Douro.
Para confirmar a proximidade entre Portugal Espanha, recomenda-se depois a simbólica visão proporcionada tanto pelo baloiço do Miradouro do Assumadouro como pelo Miradouro do Penedo Durão, que há quem aponte como um dos mais impressionantes sobre o Douro. Ao lado do penedo há uma estrutura para alimentar diversas espécies de aves de rapina e necrófagas cuja situação ameaçada ou em vias de extinção justifica a ajuda humana à sua subsistência. Assim apoiadas, essas aves nidificam nos penhascos próximos e é por isso que alguns visitantes têm a raríssima oportunidade de aí observar grifos, espécie de abutre cujas asas podem atingir os três metros de largura.
Outra particularidade da zona, mas de ordem geológica, são as chamadas “dobras nas rochas”, nome popular para o sinclinório de Poiares, que é a designação científica das formações rochosas resultantes da colisão entre os continentes, quando o impacto entre crostas terrestres provocou um dobramento dos sedimentos marinhos que ainda hoje é visível em camadas sobrepostas de rocha com curvatura aberta para cima.
Esses e outros aspetos únicos de Poiares podem ser observados em percursos pedestres como o da própria Calçada de Alajares e o da Rota dos Miradouros, mas, quem não quiser atividade física, pode ficar-se pelo centro da aldeia, que entre as suas tradições tem a de as mulheres tricotarem meias com quatro agulhas à soleira da porta e os homens dedicarem o tempo livre a jogar raiola, sueca ou chincalhão.
Os dias mais animados da terra são em agosto, por altura da Festa de Nossa Senhora do Rosário, mas prazeres de boca há sobretudo na Páscoa, quando o folar se dispõe em todas as mesas com o recheio de chouriça, presunto ou salpicão que é típico da zona. Acompanhada de azeitonas, queijo e vinho, essa iguaria é uma oportunidade para a família se reunir e conviver, não com o argumento de “comer”, mas empenhada em “desfazer o folar” – expressão que quer dizer exatamente o mesmo, mas o faz com mais graça. ■