Antes de integrar o município de Ovar em 1852, já São Vicente de Pereira Jusã fazia parte do extenso rol das Terras de Santa Maria, que no século X ficariam sob o domínio dos senhores do Castelo da Feira. O interesse em São Vicente de Pereira devia-se à sua aptidão agrícola, já que a proximidade à ria de Aveiro sempre garantiu especial fertilidade às terras do povoado, propiciando particularmente o cultivo do milho e a alimentação de gado, mas facilitando também a cultura de vinhas, leguminosas e frutos.
No século XIX, contudo, a escassez de recursos e oportunidades começou a apertar na aldeia cujas estradas ainda eram de macadame e a pobreza motivou uma forte emigração das gerações mais jovens desta “Aldeia de Portugal”, que rumaram sobretudo ao Brasil.
Tal mudança de vida não se revelou má opção, já que, décadas depois, muitos desses emigrantes regressaram a São Vicente de Pereira Jusã com fortuna feita. Entre a segunda metade do séc. XIX e as primeiras décadas do XX, acrescentaram então às antigas habitações locais de xisto e saibro, com cantaria em granito, um significativo conjunto de novas casas apalaçadas – também ditas “abrasileiradas”.
Os emigrantes de “Torna-Viagem” contribuíram ainda para obras de interesse público na aldeia como a criação da extinta fábrica de chapelaria Santos & Irmãos, que tinha reputação europeia no fabrico de chapéus de feltro e de lã, e foi umas das percursoras do setor em Portugal.
Outro património relevante na localidade é a Igreja Matriz de São Vicente de Pereira, com a sua fachada do século XVIII completamente revestida a azulejo. Esse material cerâmico já há muito garantiu ao município de Ovar, aliás, o epíteto de “Capital Portuguesa do Azulejo”, dada a diversidade de estilos decorativos em que esse tipo de revestimento aí se expressa e a incomum variedade cromática que adota.
Do património cultural e edificado de São Vicente de Pereira Jusã constam ainda três capelas de invocação a São Lourenço, São Geraldo e São José, assim como cinco cruzeiros que continuam a assinalar a importância dos antigos itinerários pedestres da terra, em especial os que eram percorridos por peregrinos a caminho de localidades vizinhas.
Outro marco patrimonial da aldeia situada a poucos quilómetros do mar, e só devidamente estudado no século XXI, é o seu “Aron Hakodesh”. Essa expressão hebraica significa “arca sagrada” ou “armário da lei” e refere-se à peça de mobiliário dedicada exclusivamente à guarda da Torah, que é o livro sagrado dos judeus. No caso deste “Ekhal” (termo sinónimo para a mesma estrutura), foi descoberto numa residência edificada no século XIV, mas só terá sido nela instalado uns 200 anos mais tarde, na época em que, perseguidos pela Inquisição portuguesa e forçados a converterem-se ao Cristianismo, também os judeus de São Vicente de Pereira praticavam em segredo os seus ritos e cultos.
Hoje os tempos são outros e a ruralidade que resiste no povoado harmoniza-se bem com hábitos mais urbanos, como o de ir às compras à cidade de Ovar, fazer praia no Furadouro e relaxar nas esplanadas das outras zonas balneares do município. Com uma população ativa e um associativismo forte, São Vicente de Pereira permanece no seu ritmo de progresso, gera riqueza com a indústria de madeiras e de calçado, e, desde 1834, rentabiliza igualmente cinco minas de caulino, minério que, à base de silicatos hidratados de alumínio, abastece muitas fábricas de cerâmica, em particular a da reputada Vista Alegre. ■