São apenas uns 170 habitantes os que mantêm viva a aldeia de Torres, no município de Anadia, onde a memória de outros tempos se preserva no cultivo da terra, na arquitetura de algumas casas ainda erguidas com paredes de adobe e, porque as gentes são de bom sustento, em gastronomia apurada como o leitão e a chanfana.
Analisando essas quatro componentes sociais do referido povoado do distrito de Aveiro, e começando pela que se refere à demografia, o aspeto mais importante é que qualidade nunca foi sinónimo de qualidade. A comprová-lo, a reduzida população desta “Aldeia de Portugal” mostra-se particularmente briosa e dinâmica, repartindo o seu quotidiano entre afazeres pessoais e essa causa pública que é a vida associativa – a cargo da Associação Amigos da Lagoa e da Associação Recuperar a Aldeia de Torres.
Passando à componente do trabalho agrícola, e embora este povoado do distrito de Aveiro também se dedique à pecuária, à silvicultura, ao cultivo de batata e à plantação de kiwis, o foco está na produção vitivinícola, até porque o território integra a Região Demarcada da Bairrada, cujos vinhos, espumantes e aguardentes, de fermentação em garrafa, se distinguem por uvas de elevada acidez e baixa graduação.
Já no que se refere à arquitetura, deve realçar-se que a construção com tijolos de adobe – feitos à base de terra crua amassada com água, palha e outras fibras naturais – é uma técnica artesanal antiquíssima que os especialistas apontam como das mais sustentáveis a nível mundial, por envolver apenas matérias-primas naturais e totalmente recicláveis.
Depois, quanto à gastronomia, é mesmo provando-a que se percebe o que está em causa: carnes ricas, temperos puxadinhos, bom vinho e, pela Páscoa, também um folar tradicional cozido em forno a lenha, com sabor a limão e canela – sendo que, por essa quadra religiosa, o pão doce em questão se saboreia muitas vezes em casas decoradas com coroas de maias, giestas e outras flores.
Outra época em que as ruas de Torres se mostram particularmente coloridas é a das romarias da terra, que são duas: a Festa da Nossa Senhora do Desterro, 15 dias após a Páscoa, e a Festa do Bunho e do Junco, que em outubro promove artes e ofícios relacionados com essas plantas, usadas secas no fabrico de peças domésticas como esteiras e cestos. Esse é, aliás, o artesanato mais típico da aldeia.
Torres tem, contudo, muito mais para ver, seja a nível de património religioso como a Capela da Senhora do Desterro, as Alminhas e o cruzeiro local, seja a nível de sítios arqueológicos como a Fonte da Cuba, fontanário antigo em que a água tinha que ser recolhida a um nível inferior ao do solo, sob uma abóbada de pedra.
Mais diversa é a paisagem natural da aldeia, já que devido à sua posição elevada, os respetivos lençóis freáticos e águas pluviais correm para a lagoa no sopé de Torres, incentivando atividades relacionadas com a pesca, estimulando convívios no parque de merendas que rentabiliza a envolvência agradável do lugar e fertilizando todo um ecossistema em que se destaca a abundância de aves.
Essa paisagem integra a Rota da Lagoa de Torres, que, com a sua extensão de aproximadamente 10 quilómetros, constitui uma especial oportunidade para refletir sobre a história da aldeia cujas origens documentadas mais antigas se situam na Idade Média. Essas referências surgem em alusões às terras que eram pertença do nobre Martim Lourenço da Cunha, da poderosa família dos senhores de Tábua.
Se os terrenos eram da nobreza, um rei poderia sentir-se mais seguro ao montar aí dormida. E será precisamente esse raciocínio a justificar que, em Torres, haja um lugar chamado Vale de D. Pedro, já que, segundo reza a história, era nesse local que o rei pernoitava de cada vez que ia a Coimbra visitar Inês de Castro. ■